sexta-feira, 19 de abril de 2013

Reconto de Felicidade Clandestina - Clarice Lispector. Por Tatiana 3º ano A


Eu sou gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tenho um busto enorme; enquanto elas todas são achatadas. Encho os meus bolsos da blusa por cima do busto com balas. E possuo o que qualquer criança devoradora de historias gostaria de ter: um pai dono de livraria.

            Eu pouco aproveitava elas menos ainda: até para aniversário, em vez de dar um livrinho barato, apenas entregava em suas mãos cartões postal da loja do meu pai que ainda por cima é paisagem do Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes mais do que vistas. Atrás eu escrevia com letras bordadíssimas palavras como “Data Natalícia” e “Saudade”.
             Como tenho Talento para crueldade. Sou toda pura vingança. Chupava balas com barulho. Eu as odeio. Elas são imperdoavelmente bonitinhas; esguias,
altinhas, de cabelos livres. Eu exerço com calma ferocidade o meu sadismo.

Com a ânsia que elas têm de ler, elas nem notavam as minhas humilhações a qual eu as submetia: continuavam a implorar-me emprestados os livros que eu não lia.
            Até que o magno dia chegou e eu comecei a exercer sobre ela uma tortura chinesa. Como casualmente informaram-lhe que eu possuía as Reinações de Narizinho de Monteiro lobato.
            É um livro grosso, meu Deus, é um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. É completamente acima de suas posses. Disse-lhe que passasse lá em casa no dia seguinte ela se transformou na própria esperança da alegria: ela não vivia, ela andava devagar num mar suave, as ondas lhe levava e lhe trazia.
 no dia seguinte ela foi a minha casa literalmente correndo enquanto eu moro numa casa, ela mora em um sobrado. Não mandei entrar. Eu olhei bem nos seus olhos e disse que havia emprestado o livro a outra menina e que ela voltasse no dia seguinte para busca-lo: ela boquiaberta saiu devagar, mas em breve a esperança de novo lhe tomava toda e ela recomeçava na rua a andar pulando, que p seu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez ela nem caiu. Ela guiava-se a promessa do livro. Os dias seguintes viriam. Mas não ficaria simplesmente nisso.
 Meu plano secreto, tranquilo e diabólico. No dia seguinte lá estava ela na minha casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro ainda não esta comigo, que ela voltasse no dia seguinte. Mal sabia ela como mais tarde, no decorrer da vida o drama do “dia seguinte” comigo ia se repetir com seu coração batendo;

            E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Sabia que era tempo indefinito enquanto o fel não escorresse todo do meu corpo grosso. Ela já começou a adivinhar que eu a tinha escolhido para sofrer, as vezes adivinhava. Mas, adivinhando mesmo, ás vezes aceitava: como se a quem quisesse lhe fazer sofre estivesse precisando que ela sofra.
Por quanto tempo? Ela ia diariamente à minha casa sem faltar um dia sequer. Às vezes eu dizia: Pois o livro estava comigo ontem a tarde, mas você só veio de manhã, de modo que eu o emprestei a outra menina. E ela que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se cavando sob seus olhos espantados.
             Até que um dia quando ela estava á porta de minha casa, ouvindo humildemente e silenciosamente minha recusa, apareceu minha mãe, Ela devia estar estranhando a aparição muda e diária daquela menina á porta de nossa casa. Pediu explicações a nós duas. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidativas. Minha mãe achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo. Até que minha mãe entendeu. Voltou-se para mim e com surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui e você nem quis ler! E o pior para minha mãe não era a descoberta do que aconteceu. Devia ser a descoberta horrorizada do meu comportamento. Ela nos espiava em silencio e a minha potencia de perversidade que ela ainda não conhecia e a menina loura em pé a porta, exausta ao vento das ruas de Recife. Foi então que, finalmente se refazendo, disse firme e calma para mim: você vai emprestar o livro agora mesmo. E para ela : e você vai ficar com o livro por quanto tempo quiser. Entendeu? Valia mais do que dar o livro: Pelo tempo que você quiser, é tudo que uma pessoa grande ou pequena poderia ter a ousadia de querer.
             Como contar o que se seguiu? Ela estava estonteada, e assim ela recebeu o livro na mão. Acho que ela não disse nada. Pegou o livro. Não, não saiu pulando como sempre. Saiu andando bem devagar. Sei que ela segurava o livro com as duas mãos comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo ela levou para chegar em casa? Pouco importava. O seu peito estava quente, o seu coração pensava.
             Ela chegando em casa não começou a ler. Fingiu que não o tinha. Só para depois ter o susto de tê-lo. Horas depois ela abriu o livro leu algumas linhas maravilhosas, fechou de novo, foi passear pela casa. Andou ainda mais, indo comer pão com manteiga. Fingiu que não sabia onde estava guardado o livro, achava-o, abria por alguns instantes. Criava a mais falsa dificuldade para aquela coisa chamada Clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser Clandestina para ela... Parece que ela já pressentia como demorei! Ela vivia no ar, havia orgulho e pudor nela, ela era uma rainha delicada. Às vezes ela sentava-se na rede balançava-se com o livro aberto no colo sem toca-lo em êxtase puríssimo. Não era mais uma menina com um livro era uma mulher com seu amante.



ALUNA: TATIANA SILVA FERREIRA
SERIE: 3 ANO ” A”
ESCOLA:  DOM AVELAR BRANDÃO VILELA

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